Kid Richards | Rolos & Rock

Como na música, é redutor limitar um corpo pelos seus contornos. E qualquer ele que seja – pessoa, edifício ou planta - a sensibilidade de Kid Richards, o alter-ego de Bruno Cantanhede, concentra-se aí para delinear histórias. É difícil imagina-lo sem ela.

Para onde foi e o que viu

“É importante conhecer as raízes do que se gosta para perceber de onde é que aquilo vem”, explica Kid. Da avó veio a curiosidade pelo desenho, na licenciatura em Arquitectura, a observação das coisas. Muito antes, já a fotografia tinha avançado, ainda que discreta, quando as máquinas fotográficas do pai arrebitaram o entusiasmo.

Durante a faculdade, experimentou o analógico. Leu todos os manuais e queimou muitos rolos para teste. “Fotografar o mesmo objecto e em ângulos diferentes, perceber o que é que saía bem e o que saía mal. Isso é mesmo o melhor exercício”. A aprendizagem incentivava a procura. “Só é preciso querer fazer para poder fazê-lo. E só há uma maneira: a vontade de aprender e ir à procura de mais e eu fiz isso”.

Admirador da atenção, admite que é esta a qualidade que o caracteriza como fotógrafo. “Adoro sombras, adoro olhar para as fachadas dos prédios, para as portas e janelas, para as sombras que são feitas aí. Estou muito atento a isso. Os reflexos, adoro andar na rua à noite porque com as luzes é totalmente diferente”. Em lugares comuns, encontra os pormenores como símbolos e recolhe-os para experimentar a seguir.

No espaço de representação, Kid começou a dedicar-se também ao corpo feminino, o que acabou por integrar o seu diário em construção. “Nunca fotografei mulheres como objecto e era isso que eu achava que as outras pessoas estavam a fazer. Às tantas, apareci com uma série que eram as Sludge Series. Tudo muito sujo, com muito grão, num preto e branco carregado, muito cru. Isso aconteceu porque não tinha dinheiro para mandar revelar em loja. Digitalizei com a luz de um iphone e um scanner antigo porque era a única maneira que tinha para fazer isso e, de repente, saiu cá para fora”.

Em 2017 decidiu registar o ano num formato de diário para a revista Vogue com a premissa de fotografar por impulso. Um rolo por semana e não calcular demasiado. “Perdi o medo de fotografar com rolo logo desde início. Aquela latinha com 36 fotografias foi feita para ser usada. Se vou gastar mais dinheiro, sim vou. Não é um cartão de memória onde posso tirar as fotografias que quiser, descarregar para o computador e já está. Vais usando, acabas e tens de por outro rolo. Mas eu perdi esse medo”, explica. “Depois, consoante o trabalho que faço, posso ter um ritmo mais ou menos calmo. Em editoriais, por exemplo, tenho de ser assertivo. Tenho de ir directo à fotografia que quero. Por outro lado, também gosto de ter as minhas máquinas baratas com rolos dentro e pegar sempre que quero”, explica.

' Por ver uma fotografia ou por ouvir aquela música '

E um dia desses, ainda adolescente, o rock’n’roll acentuou-se numa presença cada vez mais forte. Foi nessa altura que descobriu as primeiras bandas que lhe deram o clique, “e depois quando te começas a apaixonar, parece que identificas as letras com o que estás a sentir e aquilo ganha uma cena gigante. De repente, a força da música já te está a marcar um momento”.

E se há algo que a música e a fotografia têm em comum é esse acesso inesperado a qualquer memória. “Por ver uma fotografia ou por ouvir aquela música, consigo ser transportado no tempo instantaneamente.” Ainda tocava em Born a Lion, quando conheceu os The Poppers. “Tocamos muitas vezes juntos e ganhamos uma amizade muito grande”. Entrou na banda a propósito da saída do baixista, “já com a carruagem a andar, mas nem pensei duas vezes”, ri-se.

E todos os registos do Kid são uma entrada. Encontra-los é conhecer um arquivo de protagonistas desimpedidos e catalisadores de ideias sobre nós e sobre os outros. “Se tenho que provar algo a alguém é, em primeiro lugar, a mim próprio, quando procuro alcançar os sítios onde me propus chegar”.

podes acompanhar o trabalho Kid Richards aqui: http://kid-richards.tumblr.com

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por: Teresa Melo
fotografia: Kid Richards

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