Príncipe Discos | 7 anos de batidas principescas

Nas margens de Lisboa também existem comunidades que se alimentam de experimentalismo e fervor. O seu léxico até parece disjuntivo à primeira escuta, mas as ancas demoram pouco até serem totalmente dominadas pela cadência frenética dos afro-beats. Para o corpo se habituar às instruções caleidoscópicas dos Príncipes e absorver tudo até aos ossos, é só uma questão de tempo.

' A Príncipe nasceu do zero '

“O contexto sonoro, não o conhecíamos de todo quando decidimos começar a editora”, explica o Zé Moura, um dos fundadores da Príncipe Discos. “O que aconteceu é que dois de nós, o Pedro e o Nelson, já trabalhavam em 2007 e 2008, com o DJ Marfox”. Foi através desse reconhecido DJ, que o projecto atravessou um espaço até então permanecia incógnito para quem está no lado de cá. “Começamos a conhecer outras coisas que o próprio Marfox ia mostrando, inclusivamente a música mais antiga dele e da sua crew, os DJs Do Guetto e que, mais ou menos dois anos antes, tinham feito uma compilação em formato digital com artistas desse grupo, muito influente na cena. Aquilo ganhou nome num circuito mais periférico do nosso ponto de vista”.

A Príncipe nasce então por amor à música e que por acaso é criada em zonas consideradas problemáticas. “Mas é música que nós adoramos e que naquela altura nunca tínhamos ouvido nada assim. Realmente, entusiasmou-nos e quisemos fazer alguma coisa com ela”. A estrutura exista, mas era limitada por não haver uma tradução para um mercado mais amplo. “Então, o que decidimos fazer foi pegar nessa música tal como ela era, sem a transformar, sem dar dicas. Simplesmente quisemos ser o seu veículo para Portugal e para o resto do mundo”.

As histórias, a diáspora, as batidas: é tudo Lisboa

Contextualizar o que ainda não tinha um contexto visível. A criatividade sublime de segundas e terceiras gerações de imigrantes africanos que preenchem bairros inteiros sem rosto. “Normalmente, ou inventas uma história e isso acontece muitas vezes em discos ou limitas-te a transcrever a realidade. E foi aquilo que nós fizemos. As histórias dos artistas, dos produtores e dos DJ’s com quem trabalhamos são boas porque são reais”. O percurso, as condições de vida, os interesses, as influências…é tudo autêntico e a versão que se pretende mostrar é essa.

“Nesses bairros também há miúdos que gostam de fazer coisas e se puderem fazer, fazem-nas. E se forem coisas criativas também as fazem. Só que o que acontece nesses bairros é que são um bocado escondidos do centro e da sociedade”, explica Zé. “Há um distanciamento teórico que impede que muita gente conheça o que se passa lá, de bom. Só te chega o que é mau. Geralmente ninguém pensa que também há miúdos com interesses em fazer música, pintura, desenho, cinema”. Prevalece assim uma enorme falha de comunicação e, por consequência, a noção de que existe uma realidade completamente diferente nesses lugares. “Até certo ponto há, quer dizer, tudo tem a sua especificidade, mas não é um inferno, um degredo. É tudo Lisboa”.

Não foi preciso muito para que a cena evoluísse. A Príncipe solidificava-se, e mais DJ’s e produtores se aproximavam dela, a maioria através do Marfox. As dinâmicas tornaram-se familiares e foram os próprios que começaram a cruzar nomes. “Sobretudo no soundcloud, basta ver quem é que um artista segue, quem é que o está a seguir, para perceber melhor o universo”.

Mas a Príncipe não é intencionalmente um agente politico, mas sim pelo seu trajecto. A Filho Único começou a agenciar alguns DJ’s - e agenciar significa muitas vezes ser o manager. “Não há caridade nenhuma aqui, não é esse tipo de trabalho que queremos fazer. O que nós queremos é ajudar a criar condições nesse âmbito para que os artistas possam ter alguma autonomia no seu meio. É nessa base que fazemos um trabalho social e podemos dizer com orgulho que alguns nomes com quem trabalhamos, há algum tempo vivem só da música”, justifica.

Tarraxo Everyday : do bairro para a pista

No que diz respeito aos lançamentos da Príncipe Discos, a média são 500 exemplares por cada disco, porque o mercado nacional é demasiado pequeno para o consumo ser sustentável. “Vais ao Google e vês muitas referências à Príncipe, mas só fazemos 500 discos, portanto o sucesso é muito relativo”. Felizmente, as vendas digitais e o agenciamento que a Filho Único faz (a comissão não vai para a Príncipe), permite que os artistas tenham um modo de vida e investimento para o seu trabalho futuro. “Porque nos discos, acaba logo ali. O artista não vai receber mais nada, porque está esgotado. Enquanto que nos concertos e actuações são potencialmente coisas regulares que dão um income mais garantido”.

O esforço destes príncipes continua insistente para superar as divisões socioculturais e a desconfiança nas criações de origem portuguesa em geral e, depois nas criações de origem portuguesa feitas nos subúrbios, ainda mais menosprezadas. Para o Zé, “enquanto povo, uma coisa que reparas facilmente em qualquer área, é que damos muito mais valor a um carimbo de qualidade que venha lá de fora do que se for um de nós que diga “isto é bom”. Quando vem numa revista de nome e editado numa editora de nome, quando um músico estrangeiro diz “o Nigga Fox é muita bom”, só aí é que acordamos um bocado. Quando é alguém de cá, é mais lento”.

O shift está a tomar lugar, naturalmente, e há sempre algum terreno que se conquista, mas continua a ser mais difícil do que fazê-lo em Berlim ou em Nova Iorque. “Existe aí uma certa popularidade de alguns artistas da Príncipe. Há coisas que têm muita expressão fora do seu meio. Aqui não tem sido assim tão fácil”.

São sete anos de Príncipe

A editora celebra o seu 7º aniversário no mês mais curto do ano. E vai dançar-se muito, de várias maneiras e em várias pistas. Na sua colossal energia de celebração, a noite de 23 de Fevereiro vai repartir-se pelos lugares mais queridos da editora. “Estava na altura de retribuir o que esses sítios nos têm dado”.

Para além do Musicbox, a habitual sala das Noites Príncipe, juntaram-se a Galeria Zé dos Bois, as DAMAS e o Lounge e também a residência ‘Discos: Favela Convida Príncipe’ no Pérola Negra, no Porto. “Desde sempre têm mostrado entusiasmo e aberto as portas aos artistas da Príncipe. Achamos que também nos cabia retribuir esse carinho. Como é uma festa popular, obviamente no nosso meio, quisemos repartir os louros por todos”.

Sem atritos entre quem está agora a dar os primeiros passos e os veteranos, os nomes históricos, os intermédios e os “em teste”, todos se unem numa noite única. No total, são 25. Mais vocês. Até ao momento, vai ser a representação mais completa da Príncipe Discos. Só a ideia de não fazer parte é impensável. A batida dá o mote, é só segui-la.

O 7º aniversário da Príncipe será entre Lisboa e o Porto, no dia 23 de fevereiro. Não percas o ritmo e sabe mais no facebook: @editoraprincipe

https://principediscos.bandcamp.com/

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por: Teresa Melo
fotografia: Marta Pina
poster: Márcio Matos

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